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Resgate do Brincante – Ressignificação do Quintal

Tidas como velhas, as brincadeiras tradicionais são para as crianças de hoje uma provocante maneira de brincar...

Pensando em que momento as brincadeiras tradicionais, as cantigas de roda, os brinquedos manufaturados perderam espaço na vida e no cotidiano das crianças, acredito que corresponde ao momento em que uma nova ordem social impõe um novo modelo de família.

Acredito que a partir do advento da televisão, quando as avós, em vez de contar histórias, passaram a ver novela. Essa cultura da brincadeira que é necessariamente passada pela convivência, pelo afeto, pelo colo, fica em segundo plano. A mulher, no ganho da sua luta pelo seu lugar no mercado de trabalho e na sociedade, sai de casa, passa então oito horas no trabalho e tantas mais no trânsito. As cidades incharam, as ruas foram literalmente tomadas pelos carros, e as famílias têm muito pouco tempo de convivência, pouco espaço de brincadeira e, porque não, pouco afeto.

Diante da violência urbana, as cidades não estão para brincadeira. Fica então como estratégia de segurança deixar as crianças presas em casa, com o computador, a televisão ou o videogame. A cultura virtual, esse avanço inegável da humanidade, será que proporciona e permite que a criança invente, crie, recrie? A brincadeira eletrônica dá espaço para a criatividade, a liberdade e a fantasia? Onde ficam os valores do mundo infantil? Na modernidade existe espaço para eles ou ficam apenas os valores do mundo adulto – o melhor, o primeiro, o mais forte? E como fica a cabeça da criança diante da ética muitas vezes encontrada subliminarmente nos videogames – cada vez que eu mato, ganho uma vida?

Essa velha novíssima maneira de brincar abre espaço para a construção de uma experiência rica de contrários, mas complementar: conhecer quem somos, de onde viemos, enriquecerá nossa percepção de povo brasileiro, conhecer como os povos formadores da nossa identidade brincavam através dos tempos abrirá o entendimento de mundo e de construção da cultura humana. Certamente essa nova visão da brincadeira como construção cultural nos insere no mundo como mais um participante da história da humanidade, esse conhecimento fará das nossas crianças mais solidárias e participativas, abertas ao novo, criativas, produtoras da sua própria cultura da brincadeira, comprometidas com a sobrevivência das tradições, sendo o contraponto necessário à passividade e à acomodação da brincadeira eletrônica, sem espaço para a criatividade livre.

A alternância das brincadeiras tradicionais e contemporâneas permitirá às crianças adquirir pelo brincar uma experiência diversa e enriquecedora. Impossível negar a contribuição das tradições para entendimento de homem e de mundo; impossível negar o valor da cultura digital na brincadeira como um avanço da humanidade para a infância, mas inegável a necessidade da brincadeira livre e coletiva para a saúde física, mental e social das novas gerações.

É preciso repensar a forma, os espaços, o tempo e a brincadeira como o oxigênio da vida infantil. Sobretudo, é importante pensarmos na convivência entre a moderna e a tradicional forma de brincar, sem deixarmos de garantir as condições necessárias para que as crianças encontrem seus caminhos e, pela brincadeira, soluções para a vida.

Resta então às famílias, às escola, à sociedade, entrarem nessa luta de equilibrar o virtual com o real, a brincadeira moderna e a tradicional. Hoje percebemos o quanto é importante para um projeto de Brasil esse equilíbrio. A escola deve trabalhar a cultura virtual e seus avanços, paralelos à cultura do nosso povo, a partir das matrizes formadoras da nossa identidade.

Brincando de roda e picula, pega-pega, amarelinha ou macaquinho, construindo brinquedos como petecas, arraias e bonecas de papel, encenando lendas indígenas, histórias da carochinha portuguesa, contos africanos, oportuniza-se o conhecimento de como se brinca historicamente no Brasil. Assim se constrói o respeito pelas diferenças, se valoriza o saber e se desvenda o modo de ser e de pensar de cada povo formador da identidade brasileira. Proporciona-se o conhecimento do passado como referência para o futuro. A brincadeira trazendo um conteúdo transversal, através do qual se pode trabalhar a ética, a convivência, o respeito, identidade e um projeto de sociedade.

A prática do folclore infantil com as crianças resgata nossa qualidade de brincantes, nos devolve a alegria das pequenas coisas. Nossos olhos vão se encher do brilho das estrelas, teremos medo somente do simbólico bicho-papão, do curupira, da mula sem cabeça. Nosso coração vai esquentar com o toque de outros corações e vamos rir, rir até não puder mais, de simples e pequeninas coisas...

Acredito que partir da experiência e do conhecimento da brincadeira tradicional, a criança retoma essa nova velhíssima maneira de brincar e, com ela, seus valores. Constato na minha experiência o quanto essa brincadeira aproxima e estimula a convivência de pais e filhos. Na redescoberta e no retorno da sua infância, os pais nos dizem: “O meu filho chegou em casa com uma brincadeira deliciosa, que eu não lembrava mais, como foi maravilhoso...”

A criança provoca a brincadeira na família, com ela a descoberta e a valorização de como brinca o povo brasileiro, sujeito coletivo produtor de uma cultura da brincadeira belíssima e de utilidade para construção de uma cultura de paz. Esse povo digno de muito respeito e valor.

Na minha visão, a prática do folclore aproxima as gerações e tem a nos lembrar do nosso sentimento de pertença, faz de nós mais que conviventes, companheiros, parceiros, colegas; faz de nós um povo que tem alma e se emociona!

“Se essa rua fosse minha, eu mandava ladrilhar com pedrinhas de brilhantes para o meu amor passar...”

Você Sabia?

Por Nairzinha

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