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O Início

Nairzinha

Nair Spinelli Lauria, a Nairzinha, nasceu em Salvador em 11 de setembro 1948, filha de Walter Spinelli, alfaiate que também era barítono do Grupo de Ópera da Bahia e exímio violonista, e que foi responsável pela sua iniciação musical, e de Helena Margarida Mattos Spinelli, contadora e costureira que, ao lado do marido, ficava responsável pela confecção pelos vestidos de noiva, de festa, de alta costura, além de chapéus e bolsas. Com a mãe, Nairzinha herdou o amor pela leitura e pela poesia.

Ainda pequena integrou o projeto "Hora da Criança", conceituado e transformador projeto de arte-educação do professor e jornalista Adroaldo Ribeiro Costa. Lá, entre os 2 e os 14 anos, também aprendeu música, cantou com orquestra, fez teatro, conheceu e se apaixonou por Monteiro Lobato – seu primeiro ídolo.

Sua irmã, Regina Lúcia – conhecida bailarina "Lú Spinelli" – a acompanhava. Foi sempre a sua grande parceira nas descobertas e brincadeiras. Faziam uma dupla conhecida como bastante levadas – característica incentivada pelo pai, um também amante do brincar.

“Ele pulava corda, jogava bola, gude e empinava arraia como se nós fossemos meninos. Mas também brincava de boneca, cantava, fazia adivinhações. Sempre brincamos e – até depois de adultas – não fazíamos essa distinção entre brincadeira e gênero”, diz Nairzinha sobre a amorosa lembrança do pai.


Outro integrante importantíssimo da família é a babá Dedeca, presente desde o nascimento de Nairzinha: “A minha saudade me faz lembrar dela até do cheiro. Ela miscigenou minha cultura. Negra, do Baixo Sul da Bahia, me falava dos seus mitos, das suas crenças, dos seus sonhos. Me contava histórias dos negros, do campo, e cantava as cantigas dos pescadores”.

O pai reunia na casa de veraneio (em Paripe, Salvador) músicos para uma feijoada que virava uma grande serenata. Nesses encontros, Nairzinha – ainda criança – se apropriou de um repertório adulto e cantava Noel Rosa, Ataulfo Alves, Lupicínio Rodrigues, Dolores Duran e – seu autor predileto – Luiz Vieira. “Sabia todas as músicas dele. Um dia, meu pai o convidou para a feijoada e me avisou que eu cantaria para ele. Tive febre, dor de barriga, mas na hora cantei ‘Inteirinha’ para ele. Luiz Vieira chorou e, tempos depois, me presenteou com meu primeiro violão com a dedicatória: que este seja seu primeiro amor”, lembra.

Na infância participou do movimento bandeirantismo, como ‘fadinha’, ‘bandeirante’, ‘guia’ e ‘chefe de lobinho’, de onde atribui sua liderança e sua vocação para trabalho em grupo comunitário e voltado para as questões de cidadania.

Casou-se em 14 de janeiro de 1967, aos 18 anos, na Igreja São Francisco (Terreiro de Jesus, Salvador) com Henrique Antônio Lauria, com quem teve dois filhos: Fernanda e Daniel. Ficou casada por 47 anos até ficar viúva em outubro de 2015. Tem dois netos: Maria Alice, filha de Fernanda e Fernando (nascida em 2003); e Joaquim, filho de Daniel e Maiana (nascido em 2015).

Nairzinha é formada como professora e também em Serviço Social, mas desde os 14 anos ela já cantava em eventos, missas, serenatas e já compunha, participando de festivais escolares. No último ano do ginásio ganhou o primeiro lugar no festival intercolegial secundarista com o samba “Lamento Meu” – gravado em 1968 por Firmino de Itapuã, no Festival da Canção TV Itapoan. Frequentava também o Teatro Vila Velha (Salvador), cantando Bossa Nova.

Foi convidada por Dom Jerônimo de Sá Cavalcante (famoso beneditino do Mosteiro de São Bento da Bahia) para cantar na missa de 18h (a mais importante na época) da Igreja do Mosteiro de São Bento e, com esta aproximação, descobriu e desenvolveu sua veia poética.

Em 1975, a Coordenação do Serviço Social do Mosteiro de São Bento, onde trabalhou por 22 anos. Ao chegar na Casa de Retiro São Francisco, em 1974, para participar do Cursilho da Cristandade, Nairzinha não sentiu muita identificação. Mas foi lá, ao entrar na capela, à noite sozinha, que sentiu uma grande emoção e compôs a música ‘Cantar para reviver’, só saindo do templo pela manhã. Era a primeira canção religiosa composta por uma mulher leiga que, pertencendo à geração tropicalista que agitava o Teatro Vila Velha nos anos 70, tinha planos de fazer parte da MPB.

A partir daí, começou a trabalhar com evangelização infantil na Missa da Criança e durante 37 anos cantou em Primeiras Eucaristias de várias escolas e paróquias de Salvador. Neste período utilizou músicas infantis e de seu disco ‘Coração menino’ (98) – considerado pela CNBB como um dos melhores discos brasileiros para catequese infantil.

Ela sentia que ocupava uma posição atípica na produção cultural. Valorizando a poesia e a construção melódica para falar sobre Deus, considera que seu trabalho não era doutrinário, mas artístico. Isso foi motivo de crise no meio cultural (os artistas não viam música religiosa como arte e a Igreja alegava que a música de Nairzinha não se identificava com a proposta da Igreja).

Em 1987, numa viagem à Europa, esteve em Assis (Itália) e, no túmulo de São Francisco, teve uma intuição: “Ninguém vai prestar conta a Deus do seu trabalho, só você”. No mesmo dia e local, um monge anônimo falou para ela sobre o trabalho de São Francisco com os menestréis pelas ruas da cidade, cantando em troca de pão para os pobres. Decidiu que deveria trabalhar com cultura popular e que as cantigas de roda poderiam dar novo ânimo à sua carreira. A partir daí, Nairzinha passou a estreitar os vínculos com comunidades carentes, fazendo trabalho musical para captação de recursos e desenvolvimento de projetos sociais com o grupo Companheiros de Utopia, formado em 1990 com músicos amadores.

Entre arquibancadas lotadas da famosa Concha Acústica de Salvador e apresentações em Aparecida do Norte, costumava atrair um público imenso onde se apresentava. Em 1999, foi escolhida para representar o Brasil e países de língua portuguesa no disco ‘O mundo canta Maria’, produzido pelo movimento mariano mundial. A oportunidade lhe rendeu até uma audiência com o Papa João Paulo II.

Canções Religiosas

Cirandando Brasil

Nessa época já começara a gravar inúmeros discos com músicas religiosas, além de outros com MPB e uma parte de sua vasta pesquisa de cantigas e brincadeiras infantis, outra paixão que a acompanhou durante toda a vida.

Há mais de quatro décadas Nairzinha pesquisa brincadeiras como cantigas de roda, brincadeiras cantadas, parlendas, cançonetas, acalantos, lenga-lengas, adivinhações. Coleciona também histórias da carochinha portuguesas, as lendas indígenas e contos africanos. Adapta o conteúdo folclórico à modernidade da Escola como estratégia didática e conteúdo transversal e o insere no mundo infantil como opção de diversão através de uma ferramenta denominada Cirandando Brasil.

Entre seus afazeres de mãe, avó e assistente social, a pesquisadora possui, contextualizado do ponto de vista étnico, histórico, antropológico e musical, um acervo superior a 2.000 peças do folclore infantil brasileiro! As peças, devidamente catalogadas, escritas e com partituras, constituem um dos maiores acervos de sua área e podem ser utilizadas como estratégia didática que valoriza as contribuições identitárias, investe na autoestima e resgata valores como solidariedade, colaboração e partilha. Retornando à escola, valoriza uma brincadeira sem consumo, erotismo violência e competição.

Seu projeto, o Cirandando Brasil, é fruto desse trabalho de pesquisa sobre as cantigas e brincadeiras do folclore infantil brasileiro. A metodologia Cirandando Brasil foi fundada no ano de 1995 e, desde então, é reconhecida pelo Ministério da Cultura, Unesco Unicef, como um dos maiores resgates da Cultura da Brincadeira Brasileira. Seu sucesso vem da forma como essa brincadeira é reapresentada. Sem macular o folclore, preservando a letra, a melodia, a coreografia e a intenção dos jogos, as tradicionais cantigas arranjadas na música popular brasileira são apresentadas às crianças, seus pais e professores, devidamente adaptadas às novas realidades da brincadeira brasileira, através das ferramentas de ação do programa.

Além de dois CDs gravados com parte desse acervo, arranjados na atual concepção musical brasileira, Nairzinha publicou livros como “Cirandando Brasil – Guia prático de Pais e Professores com 180 partituras”, “Quintal… Saudade ou Utopia”, “Cirandando com Nairzinha” e “Quintal- O mundo mágico da nossa infância”, onde compartilha alguns desses materiais. Outras partilhas são feitas através das incontáveis oficinas artísticas para crianças e também para professores, que já contemplaram milhares de pessoas com a presença da própria Nairzinha em praças, parques, congressos, escolas, centros comunitários, museus e hospitais.

*Parte do texto foi retirado a partir da pesquisa feita por Marcos Dias para matéria publicada no jornal Correio da Bahia em 11/09/2000.

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